"Botas e suspensórios: como nasce um skinhead?

 

 A foto acima é o meu primeiro par de coturnos que são meus companheiros desde os meus tenros 15 anos de idade, em meados de 2007, adquiridos de um vizinho punk apelidado de Turcão pela bagatela de 20 reais. 
Hoje, porém, estão empoeirados e ficam na estante dos sapatos, apenas como uma lembrança de juventude, dos bons amigos e, claro, dos jogos de futebol. Assim guardados só como símbolo da minha caminhada de constante crescimento.
Ao contrário do que se pensa, muitos dos skinheads não são jovens de classe alta, brancos e preconceituosos (esses na verdade são apenas uma minoria dentro do movimento skin, que acabaram sendo os mais conhecidos e de certa forma são a cara do movimento aqui no Brasil). 
Isso muito por causa de uma mídia televisiva, cheia de jornalistas parciais, já que, quando o assunto não é bunda e pauta comunista, são incapazes de escrever uma linha sequer com informação verdadeira, imparcial e profunda, o que os torna uma lástima para nossa realidade.
  Certo? Mas e aí? Como que um jovem acaba se envolvendo com botas, suspensórios e cabeça raspada? 
Ah, esse assunto é deveras complexo e variável, podendo levar até anos para uma identificação completa ou parcial com o movimento, uma vez que, de certa forma, cada cabeça é um mundo diferente e como estamos tratando de um movimento de rua. Factualmente não existe um líder supremo, mas sim uma diversidade de grupos, que podem ser até inimigos entre si, dependendo de cada região, gerando, então, um ecossistema cultural incapaz de ser descrito com precisão.
Em meu caso fui apresentado ao estilo punk com meus 13 anos de idade pelo Turcão, bandas como Gritando HC, Inocentes, Calibre 12 e, claro, a primeira banda Skin-Punk que já ouvi: os lendários e ainda vivos Garotos Podres, que, com um tom sarcástico em suas letras, me fazem rir e pensar até os dias atuais, com as faixas como Papai Noel Velho Batuta, Garoto Podre e Zé Ninguém. 
Não posso me esquecer em hipótese alguma da divertida "Vomitaram no Trem" - essa literalmente não pode passar em branco aqui!
Só que eu tive problemas com a ideologia anarquista e comunista, mesmo sendo um adolescente incompreendido (natural da idade), pois não conseguia digerir isso. Embora as músicas fossem legais, eu não me identificava com as ditas ideologias, pois de maneira natural em minha família, fomos ensinados a trabalhar, de forma que ainda ouço em minha mente a vó Rita dizendo: 
- O trabalho dignifica o homem! 
Ou quando eu consegui meu primeiro trabalho em uma empresa com a função de separar plástico, e no caminho de volta para casa, por acaso, encontrei meu avô paterno, que trabalhava numa empresa asfáltica, e então informei-o acerca do meu primeiro emprego e a satisfação vinda dele é algo que não consigo descrever aqui! 
Todos os meus irmãos começaram a trabalhar cedo, mas fui eu que tive o privilégio de trabalhar tardiamente, aos 16 anos, já eles com seus 13 já iam para a labuta (só para constar: meu irmão mais velho, o Du, com 17, na pequena Pirassununga, não morava conosco, trabalhava em uma fazenda e ia para a escola à noite; depois de terminado o ensino médio, serviu ao exército. Já o meu irmão Denis, aos 14, quando estávamos em Leme, trabalhava de padeiro e posteriormente em uma sorveteria em horários ruins. Indo de madrugada ao trabalho, o Jorge começou a trabalhar com 13 como servente de pedreiro, então não sei explicar, mas isso me orgulha muito quando me lembro deles e do que fizeram de suas vidas pra chegarmos até aqui).
Então, dos 13 aos 15, de certa forma um sentimento de insatisfação com o que acontecia era nutrido, corrupção pois estamos localizados na era do PT, em que Mensalão, Petrolão e afins ocorreram e sempre me perguntando: - Como que um País como o Brasil não vai para a frente? 
Olhava os meus colegas de classe. Sempre apáticos com o que acontecia. E eu não conseguindo me encaixar com as suas visões pequenas de mundo, pois de maneira geral, eram incapazes de buscar compreender algo mais profundamente em qualquer assunto no cotidiano. E entre até os que se diziam punks, eu não via uma revolta fundamentada. Eram só adolescentes que queriam fumar maconha e não tinham a preocupação com o futuro: um era um amigo de classe média que lia livros anarquistas, estudava em boas escolas; já um outro conhecido, que se dizia punk, porém morava em uma boa casa no centro da cidade. Pô, assim é fácil ser anarquista e punk quando sua mãe lhe dá uma mesada pra comprar maconha, ou estou errado?   
Sinceramente não me encaixava nesse mundo de drogas, já que, até o momento em que essa história é relatada, não conhecia ainda o meu pai. Somente fui conhecê-lo aos 15, uma vez que, por causa de seu alcoolismo, minha mãe tinha se separado dele e, por esse fato, sempre tive aversão a destilados. Cerveja sempre achei ruim, gosto amargo demais, mas um bom vinho doce e barato nunca neguei não! No entanto não sei o que é ressaca, essa é uma parte de minha história que talvez um dia seja contada com mais detalhes em outros momentos, mas o que importa para esse artigo já foi até demais!
Adolescente fora da caixinha, de poucos amigos, gostava de aprender e sempre muito intenso no que fazia. Um certo dia, no recreio da escola Arlindo Fávaro, por meio de uma amiga, conheci o 45 (codinome dado a um amigo, cuja vida não quero atrapalhar, pois sua profissão atual é muito chata e nesse mundo de mimi, é zica!). Um cara um ano mais velho, gostava de armas, guerra e história, passamos a trocar ideias sobre assuntos diversos: segunda guerra mundial, política e um pouco de religião. Seu sonho era servir no exército que ficava em Pirassununga, porque em Leme não tem exército, só tiro de guerra, e vale ressaltar que ele era anticomunista ao extremo! Resumindo, pouco tempo depois e de muitas conversas, por causa do punk, desemboquei a ouvir bandas skins. Não por influência dele, mas, por minha própria conta, procurei e descobri as bandas Vírus 27, Bota Gasta, Bandeira de Combate, Tumulto 64, e, claro, o Comando Blindado. Nesse ínterim, surge a ideia brilhante: formar um grupo! 
Em Leme, o 45, algumas vezes, saía com os coturnos engraxados. Creio que esse grupo, no auge, chegou a ter umas 8 ou, talvez, 9 pessoas, mas ninguém era obrigado a raspar a cabeça ou usar suspensórios, coisa que eu só comecei aos 17, porém o coturno era sempre presente! Na escola, no trabalho e na rua para uma cidade pacata ver alguns garotos de coturno e camisa preta soa estranho, mas é a vida!
Aos 17, no ano de 2009, o 45 entra no exército em Pirassununga e eu mudo de cidade. Vou para Maringá-PR. Daí houve um distanciamento entre nós. 
Chegando naquele fim de mundo e com o recém surgido facebook, procuro algum grupo skin no estado e na região. Conheci um skin de Toledo e até troquei ideia com ele pelo face apenas. E na cidade de Maringá, conheci um outro jovem skin. Ele era um trad (skin tradicional apolítico) jovem, branco, classe média. Conversei apenas uma vez, pois tínhamos visões diferentes de mundo. Nunca mais tive contato.
Pouco tempo depois, em Maringá, começo a frequentar uma igreja pentecostal qualquer, pois uma coisa que eu nunca consegui conversar de igual pra igual com o 45 era o assunto religião. Ele vinha de uma igreja evangélica a qual não mencionarei o nome, pra evitar confusão e por ser desnecessário aqui, mas ele a abandonou para seguir o sonho do exército, e como eu estava em um caminho diferente, longe de casa, pensei: - O 45 seguiu o sonho dele, agora eu tenho que me fortalecer, ele sabe de bíblia. Vou aprender também. (lógica imatura, mas me trouxe até aqui)
Pouco tempo depois, já frequentando outra igreja pentecostal, conheci o Maikão. Cara gente fina! Ele tinha um amigo que era monarquista e gostava sair fantasiado de cosplay, se achando o vampirão. 
Eu gosto de desenhos, mas não a ponto cair nessa palhaçada! A não ser em um evento específico e etc. 
Um bom tempo depois, procurei na Internet algum grupo integralista, com o qual sempre me identifiquei ideologicamente, mesmo sem saber muito sobre o movimento, pois estou falando de uma época em que a Internet estava ganhando corpo e não se tinha muita coisa a buscar. Tempos diferentes aos de hoje, em 2022, em que tudo de que você precisa, você encontra no google. Aí entro em contato com um grupo integralista e eles me dão o contato logo de quem? Do idiota do monarquista vampirão! É dose, viu!
Em 2011, faço uma visita de duas semanas a Leme. Revejo velhos amigos e consigo achar o 45 e damos um rolê na pequena Leme-SP, carecas e de coturnos. Depois disso, mais alguns anos sem falar com ele e seguindo rumos diferentes.
Como historiador venho contar esse breve relato, já que sei que nem todo mundo tem uma história igual. Nem uma visão igual de mundo. Nem um fim igual. O movimento é de rua e ninguém manda nele. E eu, já tiozão com 30 anos nas costas, digo que nem todo skinhead é violento, rico e branco, nem mesmo fascista e nazista. Às vezes pode ser um jovem incompreendido que precisa de tempo para amadurecer. Eu sei, o mundo é perigoso e sempre será, mas cada um tem seu caminho a trilhar!
" Este sou eu. Foto tirada em 2011 em uma cerimônia de lava-pés e santa ceia. Careca, de coturno e suspensório em uma igreja qualquer de Maringá-PR"

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